Outro dia, andando pelas ruas no fim da tarde, notei algo curioso: em quase todas as janelas dos apartamentos, havia uma luz azulada, suave e constante, vinda de alguma tela. Era como se todas as casas estivessem olhando para dentro de si mesmas através de um espelho digital. E me ocorreu: será que estamos vivendo mais dentro das telas do que dentro da própria vida?
Vivemos tempos em que a realidade precisa ser validada para existir. A comida precisa ser postada para ter sabor. A viagem precisa ser mostrada para ter valor. O abraço, o encontro, a risada — tudo parece precisar de um filtro, de um "like", de uma legenda com algum trocadilho bem-humorado para que se torne, de fato, uma experiência.
Não se trata de demonizar as redes sociais. Elas são, sem dúvida, ferramentas poderosas de conexão, informação e expressão. Mas talvez o problema esteja justamente na palavra "ferramenta". Ferramenta é algo que se usa, não algo que nos usa. E há tempos que a sensação é a contrária: somos moldados pelos algoritmos, educados pelo tempo de tela, condicionados a buscar validação externa para tudo o que sentimos.
O mais curioso é que nunca estivemos tão conectados — e, ao mesmo tempo, tão solitários. A presença virou notificação. A escuta virou reação. O diálogo virou comentário. E o tempo... bem, o tempo virou algo a ser otimizado, monetizado, cronometrado. Raramente vivido.
Às vezes me pergunto: se um dia a internet acabar — nem que por algumas horas — quantas pessoas vão se sentir perdidas dentro da própria casa? Quantas vão lembrar como é o som do próprio silêncio?
Temos pressa de mostrar que estamos vivendo, mas estamos vivendo com pressa. A pergunta que fica, ao final dessa breve caminhada entre janelas iluminadas, é: quando foi a última vez que você viveu algo só para você — sem postar, sem contar, sem provar?
Às vezes, o mais revolucionário que podemos fazer é apenas viver. E guardar para nós.