Corações Errantes
Capítulo Oito: Reencontros
Valleria estava à beira do abismo. O som das tropas inimigas ressoava como um trovão distante, mas inescapável, e Kael sabia que o peso da responsabilidade agora era seu. O destino do reino dependia de suas escolhas, mas ele não poderia lutar sozinho. Em cada sombra da noite, ele sentia os ecos das forças sombrias se aproximando, e seu peito, já marcado pela perda, carregava o fardo de uma coroa que nunca fora sua por direito.
Mas no horizonte de guerra, algo mais surgia. Não era mais apenas ele, o príncipe exilado. Valleria não se salvaria apenas pelas mãos de um homem. Não agora. O destino do reino estava entrelaçado com as vidas de outros corações errantes — corações perdidos, despedaçados, traídos, mas que ainda ardiam com uma chama de esperança. Evanna Storm, Dorian Velka, Lucian Draeven… Cada um deles, marcado pelo passado, mas agora convocado para um propósito maior. Em seus erros e cicatrizes, havia a chance de redenção.
Kael sabia que, sem eles, não haveria luta. Mas havia outra pessoa. Uma presença que ele temia, mas que, naquele momento, era sua única esperança.
Lyria.
A feiticeira que ele havia traído. Aquela que uma vez fora sua aliada, sua amante, e agora... sua condenação. O vazio entre eles era profundo, mais vasto do que qualquer guerra que enfrentavam. Mas Kael não tinha escolha. Se havia uma última chance para Valleria, ela estava nas mãos dela. Lyria não era mais a mesma. Algo nela havia mudado, distorcido, como se a própria essência da feiticeira tivesse sido consumida pela dor e pelo poder sombrio. Mas, no fundo, Kael sabia que ela ainda poderia salvar o reino — talvez a si mesma, também.
O vento abrasante do deserto queimava sua pele enquanto Kael se aproximava da fortaleza onde Lyria agora residia. O calor do ambiente parecia se refletir em seu peito, onde a culpa ainda o consumia como uma chama inextinguível. Cada passo o levava mais fundo em um inferno que ele mesmo criara. Sua jornada, agora, era uma busca por redenção — não apenas para si, mas para tudo o que ele amava.
Quando entrou na fortaleza, o ar parecia mais pesado, mais denso. O silêncio era opressor, mas dentro daquela vastidão solitária, Lyria se ergueu diante dele, como uma sombra do passado, mas ao mesmo tempo, algo de novo. Ela era mais forte, mais imponente. Seus olhos, uma vez suaves, agora queimavam com uma chama feroz. Algo de obscuro e antigo se escondia por trás de seu olhar.
Kael não pôde evitar o vacilo em seu peito. Ali, diante dela, ele finalmente compreendeu o abismo que se abrira entre os dois.
— Eu traí você. — As palavras de Kael eram um sussurro, carregadas de dor e arrependimento. Sua voz soava quebrada, como se cada sílaba que ele emitia estivesse sendo arrancada de suas entranhas. — E vivi cada dia atormentado por isso.
Lyria não disse nada de imediato. Ela apenas o observava, seus olhos penetrantes como lâminas, refletindo todo o sofrimento que ele havia causado. Ele sentiu a dor em seu olhar, mais aguda do que qualquer espada que ele pudesse suportar. Quando, enfim, ela falou, sua voz soou gelada, como o aço batendo contra o ferro.
— Não há perdão para certas feridas. — A dureza em sua fala era inegável, mas havia uma melancolia subjacente, algo que Kael reconheceu como a marca de quem havia se perdido muito tempo antes. — Mas eu não luto por perdão, Kael. Eu luto pelo que resta.
As palavras de Lyria penetraram seu coração com a força de uma flecha. Kael sentiu o peso de sua traição se tornar ainda mais insuportável. Ela não o esperava, não mais. Mas, ao olhar para ele, Kael percebeu que, apesar da dor, havia algo de inquebrável dentro dela — algo que a mantinha de pé, algo que ainda tinha o poder de salvar Valleria.
Ela não esperava que ele a redimisse. Mas havia, nos olhos de Kael, um vislumbre do homem que ela conhecera antes — um homem que, talvez, tivesse perdido seu caminho, mas que, naquele momento, estava disposto a lutar por algo maior.
Ele deu um passo à frente, estendendo a mão, mas Lyria o afastou com um gesto suave, mas firme.
— Não será fácil. — Sua voz era baixa, quase como um suspiro, mas havia uma determinação inquebrantável em suas palavras. — Mas não podemos deixar o reino cair. Se Valleria tem uma chance, é agora.
Kael a observou, sentindo o peso do que estava prestes a acontecer. Ele sabia que as chances eram mínimas, que cada passo era um risco. Mas Valleria não teria outra oportunidade. Eles não teriam outra chance.
— Eu preciso de você, Lyria. Valleria precisa de você. — Sua voz soou rouca, carregada com a urgência da situação. — Não temos mais tempo.
Ela não hesitou mais. As palavras de Kael tocaram algo profundo dentro dela, e, por mais que a dor de sua traição ainda fosse um veneno, ela sabia que o momento de agir havia chegado. Valleria estava morrendo.
— Então vamos acabar com isso. — Lyria disse, sua voz agora firme, com uma força renovada. — Por Valleria. Por tudo o que foi perdido.
Juntos, eles se prepararam para enfrentar a batalha que definiria o destino do reino. Mas não estavam sozinhos. O campo de guerra já estava se formando. Evanna Storm, Dorian Velka e Lucian Draeven haviam cruzado seus caminhos, e suas jornadas os haviam trazido até ali, ao ponto de convergência. O caminho de cada um deles estava marcado por cicatrizes e escolhas difíceis, mas naquele momento, eles estavam prontos para lutar.
Evanna, com seu ódio silencioso e as lâminas afiadas da vingança, se posicionava com a frieza de uma assassina. Ela havia perdido tudo, e o que sobrava dela era apenas a fúria pura — uma fúria que agora seria a lâmina que cortaria as forças inimigas com uma precisão mortal.
Dorian, com seu charme sombrio e mente afiada, não via mais o jogo de cartas como uma maneira de seduzir ou enganar. Ele agora jogava a última partida de sua vida, uma partida de pura sobrevivência, onde sua astúcia seria mais valiosa do que qualquer espada.
Lucian, o cavaleiro exilado, agora encontrava sua verdadeira honra não no campo de batalha, mas na luta pela justiça. Sua espada não era mais apenas um símbolo de um título perdido, mas a última linha de defesa entre o reino e a escuridão.
E assim, enquanto o destino de Valleria pendia na balança, Kael, Lyria, Evanna, Dorian e Lucian estavam prestes a se lançar na batalha final. Cada um deles, com suas próprias motivações e passados, agora eles se tornavam a última esperança contra a destruição.
O futuro do reino seria decidido naquele momento. E o preço da vitória? Seria mais alto do que qualquer um deles imaginava...